A ministra do Desenvolvimento Social do Brasil, Tereza Campello, afirmou recentemente que já não se discute de quem é a favor ou contra o Programa Bolsa Família (PBF) do Governo Federal. Embora ignore as persistentes críticas à direita ou à esquerda, a afirmação reflete com clareza o debate político em torno do maior projeto de transferência de renda do mundo: governo e oposição não avançam na discussão sobre as necessárias melhorias do Bolsa Família, mas que empenham suas energias em disputar a autoria deste programa, que completou dez anos em outubro, para capitalizar politicamente as suas inegáveis conquistas sociais.
Fácil entender o que move o debate: hoje, 13,8 milhões de famílias (ou seja, cerca de 50 milhões de pessoas, quase um quarto da população do país) beneficiários do PBF. De acordo com dados do Governo, mais de 36 milhões de pessoas já saíram da extrema pobreza desde o início do programa, embora se possa responder a arbitrariedade da tênue linha econômica, política, social e ideológica que marca esse ascensão. E segundo o site bolsafamilia2019.com a tendência é que tenha ainda mais amplitude no ano de 2020.
Não se quer dizer aqui que as famílias não têm o legítimo direito de tentar garantir, através do voto (que é obrigatório) a manutenção dos benefícios sociais e econômicos que lhes foram (e ainda são) sistematicamente negados pelas elites políticas. O que se pretende ressaltar é o uso eleitoral do debate, o que representa uma importante perda de oportunidade para discutir as deficiências e limitações do programa.
Não é um problema novo, mas que se renova a cada ciclo eleitoral. O Bolsa Família, em sua forma atual foi criado em 2003 pelo então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, mas nasceu da conjunção de projetos assistenciais do Governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso. Ressentidos com o sucesso e a repercussão internacional do modelo, a oposição social-democrata e renegado do PBF muitos anos.
A estratégia, como era evidente, não se pode manter por muito tempo e, face à sua incapacidade de encontrar eco na opinião pública, os opositores ao Partido dos Trabalhadores recentemente se juntaram ao majoritário coro que defende o programa. A mudança verificou-se, ainda, no discurso dos meios de comunicação: a celebração dos dez anos do PBF suscitou extensos e motivo de reportagens, mas sempre lembrando da massa mais pobre, que se trata de uma concessão limitada, não de um direito.
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Modelo de sucesso
Os dez anos do PBF permitem que, pela primeira vez, se possam analisar com alguma distância dos efetivos conquistas e deficiências do projeto, o que abre um caminho menos polarizado debate sobre os próximos passos para a superação da desigualdade no Brasil. Os dados que apresentamos a seguir tentam contextualizar os limites do programa e apresentar, em grandes traços, o impacto que este teve no país.
O valor médio do benefício mensal, transferido para as famílias é de 152 reais (48,2 euros). Quando foi criado, era de 74 reais, ou 21,4 euros (em valores de então). O salário mínimo no Brasil é de 678 reais, ou 215 euros. Isso invalida um dos principais argumentos da direita: a de que as e os pobres se tornaram os “vagabundos” e deixariam de trabalhar para viver do programa: se a pessoa que trabalha recebe o mínimo garantido por lei, não lhe compensa deixar seu emprego. As famílias atendidas vivem uma privação econômica tão aguda que 150 reais representam uma diferença tremenda em seus orçamentos (o limite de renda mensal per capita para aderir ao programa é de 140 reais).
O Bolsa Família hoje consome cerca de 0,5 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, o que demonstra que o projeto é muito barato para a administração, apesar de seu impacto sobre as economias das cidades mais pobres e menores do interior é enorme. Embora não represente uma prioridade orçamental para o Governo, muitos especialistas apontam que o PBF foi o motor da assistência social no país. Em 2002, antes do programa, essa área recebeu apenas 3,2 por cento dos recursos federais. Hoje representa 9,2 por cento das despesas.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) tem aumentado substancialmente nos últimos anos. Em 2000, segundo o Instituto de Pesquisas Aplicadas (Ipea), 41% dos municípios brasileiros apresentavam um IDH muito baixo. No acumulado entre 1991 e 2010, o IDH dos municípios brasileiros cresceu 47,5 por cento.
O perfil das pessoas beneficiárias foi descrita em um relatório recente, também do Ipea. 72 por cento dos inscritos são extremamente pobres (menos de 70 reais mensais per capita); cerca de 64 por cento dos chefes de família não completaram o ensino fundamental e a metade dos recursos é absorvida por habitantes da região Nordeste, a mais pobre, ao lado da região Norte. Apenas 38 por cento das pessoas inscritas possuem, ao mesmo tempo, água e sistemas de coleta de esgotos. Outro estudo, elaborado em 2008 pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), mostra que 94 por cento dos titulares do PBF são mulheres e 64 por cento são negras ou pardas.